Resenha: Global Terrorism.


Ricardo dos Santos Poletto1



LUTZ, James M. & LUTZ, Brenda J. Global Terrorism. Londres, Nova Iorque: Routledge, 2006. 289 pp.


As percepções sobre o fenômeno do terrorismo moderno tendem a acompanhar os últimos episódios que detonaram a chamada "Guerra contra o Terror". Assim, a atenção dispensada ao tema ascendeu ao topo da agenda de segurança internacional. A notabilidade adquirida pelo terrorismo, entretanto, não implicou esclarecimento de suas causas, formas e conceito; ao contrário, contribuiu para a construção de uma visão parcial. Com efeito, a explosão editorial sobre o tema do terrorismo adquiriu corpo, em grande medida, sob a forma de títulos sobre "fanatismo religioso", "islamismo" e "Oriente Médio". Em resposta, é possível resumir nos seguintes termos a réplica dos treze capítulos que constituem o livro: o terrorismo possui raízes na história humana; não é, portanto, lícito restringir sua percepção a um fenômeno moderno, circunscrito espacialmente a determinadas regiões.

O livro de James e Brenda Lutz, nesse contexto, procura reconstruir o debate sob a necessária lente da neutralidade acadêmica. Em uma obra que se propõe a cobrir o terrorismo global, os autores se valem de categorias de organização que guiam o trabalho para conclusões presumíveis, mas que gozam de articulação argumentativa e empírica. Afinal, como um conceito eminentemente político, o terrorismo exige um exame em perspectiva, que ultrapasse os limites do "11 de setembro" e da febre de publicações que se propuseram a saciar a curiosidade imediata do público consumidor. Para tanto, o livro pode ser dividido em três grandes partes: instrumental (terrorismo ao longo do tempo, definição, classificação, táticas, armas, alvos, patrocinadores); empírico-descritiva (cinco capítulos com estudos de caso) e uma parte dedicada à reflexão (terrorismo doméstico e repressão, países com múltiplas crises de terrorismo, contra-terrorismo e a continuidade do fenômeno).

As balizas dos capítulos iniciais são as circunstâncias impostas por eventos de recessão, modernização e de guerras. Todo e qualquer processo que gere a percepção de injustiça pode, potencialmente, desencadear atos de violência. Em princípio, portanto, a violência politicamente dirigida - entre as quais se inclui a modalidade do terrorismo - não precisa ser julgada como uma patologia ou como o resultado de mentes irracionais. Antes, vale examinar os processos psicossociais em sua teia de causalidades que os explicam ou justificam. Há, logo, fundamentos racionais que possibilitam o estudo sistemático. Segundo alguns autores, a fundação do terrorismo moderno é representada pelas Olimpíadas de Munique de 1972, quando o grupo terrorista palestino Setembro Negro vitimou onze atletas israelenses. Embora seja possível criar distinções históricas como esta, a essência do terrorismo é perene, o que permite um tratamento mais ou menos uniforme dos casos ao longo dos tempos. Note-se que a fundação do terrorismo moderno não descaracteriza a conclusão de que o terrorismo é um fenômeno social contínuo, mas, sim, confirma a tese de que essa experiência contemporânea é, na verdade, uma manifestação situada em um contexto histórico, no qual a informação, a tecnologia e o transnacionalismo estão presentes.

Talvez o capítulo mais espinhoso da obra seja o que se propõe a responder à pergunta "o que é terrorismo?". A encruzilhada conceitual é reconhecidamente uma das maiores armadilhas semânticas das relações internacionais contemporâneas. A distinção entre freedom fighters e terroristas incorpora a lógica dessa questão. Para todos os efeitos, o conceito de "terrorismo" infere uma fórmula inclusiva, de sorte que a multiplicidade de casos possa ser abarcada. A base conceitual enunciada por Walter Laqueur, em The Age of Terrorism (1987), permanece, a despeito de suas imperfeições, como guia de primeira aproximação. Para Laqueur, terrorismo é, tão simplesmente, o uso ilegítimo da força para a consecução de fins políticos. Deve-se ter presente, não obstante a aparente trivialidade, a dificuldade em se convergir com relação a interesses e visões políticas sobre os quais o conceito se constrói. Terrorismo é, em suma, um termo não só descritivo-analítico, mas que também encerra uma forte carga valorativa. Por isso é tão difícil discriminar entre "soldados de libertação nacional", "rebeldes", "resistentes", "guerrilheiros" e "terroristas", a depender dos pressupostos e julgamentos do observador.

Os quatro elementos essenciais para a imputação de um ator como terrorista, segundo Lutz & Lutz, são: 1) motivação política; 2) utilização efetiva ou ameaça de utilização de violência; 3) pertencimento ou constituição de organização identificável, não necessariamente permanente; 4) busca pela evolução de sua situação de poder ou influência. Os autores não se preocupam em apresentar uma genealogia conceitual para chegar a esses quatro requisitos, de maneira que o conceito adotado resulta de um esforço de produção de uma moldura analítica própria. Claramente, James e Brenda Lutz adotam seus elementos-chave para efeitos de avaliação de seus estudos de caso, uma vez que a coexistência de conceitos e suas diferentes ênfases merecem uma discussão apenas superficial nas páginas iniciais de Global Terrorism.

Em contraste ao problema conceitual, as teorias sobre as causas do terrorismo são mais convergentes. Alguns fatores ou circunstâncias causais figuram com maior peso, destacando-se a existência de estruturas governamentais e sistemas econômicos de exploração, ocorrência de repressão e discriminação, percepção de privações relativas por um determinado grupo, vigência de imperialismo e colonização. Sob o prisma marxista, entretanto, a única explicação válida recai sobre a diferença de classes e estrutura econômica. Com a expansão da economia de mercado, por exemplo, as percepções das privações relativas se tornaram mais agudas. As referências de causalidade, em resumo, fazem menção recorrente ao status quo e à percepção de (in)justiça nele contida.

Em outros termos, para compreender a escalada da estratégia de ação até o recurso ao uso da violência, deve-se considerar a falha dos grupos terroristas em alcançarem seus objetivos por intermédio dos canais existentes de mobilização, participação e atuação. Muitas vezes, a ausência desses canais conduz à opção pelo radicalismo. Logo, é necessário acessar os contextos sociais e históricos para reconhecer os meios e causas particulares das atividades terroristas. Rappoport define quatro ondas de violência: anárquica (1880), anti-colonial (1920), nova esquerda (1960) e religiosa (1979), esta última inaugurada pela revolução islâmica iraniana. Com efeito, a observação e a avaliação qualitativa e quantitativa dos alvos e a distribuição geográfica das ocorrências permitem aos estudiosos identificar algumas tendências.

Se, por um lado, em termos de utilização de armamento e técnicas, as condições locais e as circunstâncias são mais decisivas na definição dos meios - coquetéis Molotov, seqüestros, armas químicas, dispositivos tecnológicos - do que a própria orientação de ideologia e objetivos do grupo dissidente; por outro lado, a seleção dos alvos, elemento que mais tem a revelar sobre a racionalidade terrorista, deve ser consoante aos objetivos políticos e, em larga medida, independe dos recursos disponíveis. Desta forma, a adoção de técnicas entre os mais variados grupos terroristas baseia-se na emulação. Em outras palavras, qualquer técnica utilizada com sucesso por um grupo terá adesão de outros, desejosos de repetir ações com resultados satisfatórios. O primeiro seqüestro de uma aeronave comercial, por exemplo, foi empreendida no Peru em 1931 e, desde então, inspirou a ação de inúmeros grupos terroristas, interessados em manobrar a sensibilidade de um público alvo e chamar a atenção - garantida pelos meios de comunicação - para suas demandas.

O segundo passo de organização do livro baseia-se na escolha de uma classificação. Há, de fato, diversas maneiras de conduzir o tópico, categorizando o terrorismo cronológica, geográfica ou motivacionalmente. Os autores optam pela via temática; escolha que se prova bastante satisfatória do ponto de vista analítico. Previamente, cabe esclarecer que os atores podem ser indivíduos, grupos, organizações e, mesmo, Estados nacionais; pode-se falar, ainda, de ataques randômicos ou seletivos, com objetivos de intimidação ou propaganda de fundo político, criminoso ou excêntrico.

Subsidiado por uma vasta discussão preliminar sobre armas, técnicas e alvos e algumas ilustrações factuais, o leitor terá os capítulos seguintes uniformemente organizados, nos quais os autores apresentam uma taxonomia de cinco categorias de terrorismo: religiosa, etnonacional, de ideologias de esquerda, de ideologias de direita e multicausal. Os respectivos capítulos são introduzidos pelas características típicas de cada tipo de terrorismo, mas, sobretudo, dependem da apresentação dos estudos de caso, que, além de confirmarem a descrição genérica, apontam para características particulares das unidades terroristas. Essa tipologia é tida como tradicional e possivelmente foi adotada em vista dos casos que os autores se propuseram a tratar. Uma tipologia mais prática, adotada pelo serviço de inteligência norte-americano, divide os grupos terroristas em nacional-separatistas, fundamentalistas religiosos, cultos e novas religiões e social revolucionários. A opção do livro não o torna menos válido, porque, em última instância, parece preferir adotar uma orientação mais didática. O objetivo dessa diferenciação temática e a vasta gama de estudos de caso - dos zelotes na Judéia, do século I a.C, aos Tigres Tamil no Sri Lanka contemporâneo - concorrem para dissipar a percepção errônea que motiva a obra: o terrorismo visto como um fenômeno recente e determinado geograficamente.

De maneira a encaminhar a conclusão do livro, introduz-se um capítulo sobre contra-terrorismo, sem o qual o livro perderia a importante característica de oferecer possíveis prognósticos. Os autores consideram nove técnicas não-excludentes: reforço das estruturas de segurança, detecção de informação e atividades de inteligência, rastreamento de fontes de financiamento, repressão governamental, retaliação e punição, ações preventivas, criação de unidades especiais, concessões e reforma e abordagens diplomáticas. Cada uma dessas técnicas é acompanhada de uma avaliação das experiências em diferentes Estados, seus graus de sucesso e dificuldades de implementação. O tratamento do terrorismo como desafio se prova um adendo que muito enriquece o livro. A era nuclear e a potencial acessibilidade de armas de destruição em massa traz um novo significado a esse desafio, que implica uma reavaliação da utilização das técnicas e estratégias contra-terrorismo.

Se iniciar o século XXI sob os efeitos do terrorismo pode soar anacrônico, nada mais pertinente que o desfecho do livro, que descreve um fenômeno em curso. Infere-se uma crítica à "Guerra contra o Terror", nem que somente à sua alcunha, na medida em que o terrorismo, a exemplo do crime organizado, não pode ser vencido por meio de uma guerra convencional; cabe lembrar sempre que o terrorismo, como fenômeno, envolve adaptações às circunstâncias sócio-históricas. Exemplo disso é que, um século antes da cruzada capitaneada pelo presidente George W. Bush, o então presidente norte-americano Theodore Roosevelt também lançava uma campanha de extermínio ao terrorismo, após o assassinato do presidente McKinley pelas mãos de um anarquista. Evidentemente, Theodore Roosevelt foi incapaz de levar seu plano de erradicação a cabo.

Mas, se o combate ao terrorismo também deve ser entendido como um processo contínuo, quais seriam as razões que impediriam um golpe final? Em primeiro lugar, o terrorismo persiste porque não há técnica universal que tenha se provado eficiente e infalível em seu combate. Em segundo lugar, eventos, circunstâncias e temas que servem de combustível ao terrorismo estão longe de terem desaparecido. Finalmente, os grupos dissidentes possuem referências de utilização de violência política com casos de relativo sucesso que possam inspirá-los, a exemplo das campanhas de libertação nacional.

Em seu conjunto, Global Terrorism é um livro essencialmente descritivo e, em grande parte, padece de caráter enciclopédico. Os estudos de caso são deveras atraentes e contribuem para a consecução dos objetivos da obra, em termos de organização e de argumentação substantiva. Por outro lado, o exercício reflexivo é bastante reduzido e não oferece muita margem a diálogos com a sociologia ou com a teoria de relações internacionais. De toda maneira, Global Terrorism contém informações de referência valiosas, comprimidas em um volume que não é exaustivo para o leitor, nem se perde em detalhes secundários. Em suma, trata-se de uma obra com uma visão de terrorismo em maior amplitude do que em maior profundidade, temporal e espacialmente; terrorismo, enfim, como ameaça, como desafio e como fenômeno com raízes na história da humanidade.




1Ricardo dos Santos Poletto graduou-se em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é mestrando na mesma instituição.